Saudade #1 - Caminho de Santiago
A maternidade é linda e blá blá blá e é só love e tal e coiso. Mas porra, há coisas que ficam de lado (pelo menos nestes primeiro tempos em que eles são tão pequenos) que deixam imensas saudades. E hoje, porque sim, porque me apetece, saiu um relato mais pessoal com cheirinho a melancolia.
Que saudades daquele Caminho, daquela liberdade, de pertencer ao mundo e não pertencer a nada, de ver o sol acordar enquanto caminho mais uns km´s, de me cruzar com as mesmas pessoas no caminho e cumprimentá-las como hoje em dia os vizinhos não se cumprimentam, de pensar que a vida é aquilo, aquela pureza, aquela simplicidade.
Fiz o caminho duas vezes, diferentes percursos, diferentes vistas e diferentes vivências. Fomos em casal, qual galo e galinha, e foi sensação de plenitude e de amizade total.
O primeiro caminho foi excecional. Senti uma liberdade que nunca antes tinha sentido (e um cansaço nos joelhos too). Aquela sensação de desapego dos bens materiais, das preocupações e das insignificâncias que nos sufocam. Apanhamos chuva até dizer chega, cobrimos as botas com plástico de cozinha e com fita isoladora para reforçar a impermeabilidade e fomos lanchar de chinelo de dedo (é preciso ver que continuava a chover) para arejar os chulés.
Dormimos em Albergues em ano de Jubileu (o que é a mesma coisa que dizer que estava apinhado até ao teto e que o cheirinho a roquefort reinava nos corredores). Dei pontapés ao gajo do beliche ao lado para parar de ressonar. Dormimos em hotéis e tomamos banho de imersão. Dormimos numa casa onde havia um casal num quarto próximo que achava que não tinha feito atividade suficiente durante a caminhada e precisou de continuar o exercício pela tarde fora (como é que eles conseguiam pá? Eu não tinha força nem para matar um mosquito! São os meus heróis).
Achávamos que íamos perder peso por caminhar aqueles km´s todos, mas a fome era tanta que se bem me lembro não baixei um grama na balança. Achávamos que íamos bem preparados e que levávamos pouca coisa, mas fomos deixando coisas pelo caminho e ainda fomos comprar mais roupa para nos abrigarmos da chuva.
Amamos a experiência e decidimos voltar uma segunda vez.
Neste segundo Caminho exageramos nos km´s/dia, ficamos todos lixadinhos dos pés, dos joelhos... Dormimos em Albergues onde não havia ninguém, no meio do nada, onde ficamos às escuras só com a iluminação de emergência acesa. Subimos muitos montes, rimos muito, inventámos histórias de vida para as personagens que encontrávamos no caminho, mudamos de caminho por causa de um cão que ladrava muito, caminhamos ao pé das torres eólicas, levamos com muita chuvinha na tromba. Chorei e questionei que raio me tinha passado pela cabeça para gastar as minhas férias a fazer aquele sacrifício. Cansada, a km´s de distância do albergue mais próximo, disse que não me metia em mais nenhuma aventura destas.
Pois agora, acreditem que repetia e repetia e voltava a repetir. E logo que os pimpolhos cresçam um bocadinho lá irei rumar para uns dias de caminhada, de introspeção, de tudo e de nada. E quando eles crescerem mais um pouco hão de ir comigo, nem que tenha que levar um atrelado para os carregar!
*Imagem retirada do meu próprio traseiro durante o caminho